Heyyy
Wow, não acredito que está quase a acabar! Só mais um capítulo T.T
Espero que gostem. Pessoalmente, este não é o meu favorito, mas "come-se"!
;)
bj S*
Sábado, 25 de Dezembro 2010
Soltei mais um espirro, seguido de um ataque de tosse demasiado forte para me manter em pé. Desequilibrei-me, feita estúpida, e caí pela segunda vez naquele dia no passeio duro, frio e coberto de neve.
A cidade estava vazia aquela hora, como não era de admirar. Era noite de Natal e as famílias procuravam festejar a data não a vaguear pela cidade gelada, á chuva e ao vento, mas dentro das casas quentes com ecos de gargalhadas. Por cada casa que passava, via as luzes ligadas dentro, e a árvore de Natal a tremeluzir alegremente. As pessoas riam, dançavam, cantavam, ofereciam presentes e eu olhava para aquilo, com uma mistura de ciúme, desejo, alegria, tristeza… sem saber o que pensar e quase sem forças para o fazer.
Levantei-me desajeitadamente, as lágrimas correndo da dor. Chorava facilmente, mas que raio. E era Natal, por amor de Deus. Tempo de estar com quem se ama, e quem eu amava estava nem eu sabia onde. Não tinha ninguém a quem amar nem que me amasse, e as memórias desses tempos em que havia amor na minha vida eram tantas e tão dolorosas que só me queria afastar delas. Por isso é que saíra de casa, nessa noite. Queria-me afastar das memórias de Lourenço que assombravam silenciosamente a floresta.
Ele nunca mais ia voltar. Nada na minha vida nunca mais ia voltar, e eu nunca mais iria ser a mesma. Isto era tortura, eu não sabia o que fizera para merecer isto.
Para além da dor a nível sentimental, também não estava bem fisicamente; tinha tanta fome e tanto frio… E a cabeça doía tanto, tal como a garganta sempre que respirava o ar gelado da noite; este também me ardia nos arranhões da face, por tanto passar pelos arbustos na mata, e nos lábios gretados e cortados. Estava ligeiramente estonteada, e senti que poderia ter vomitado se houvesse alguma coisa no meu estômago… mas tinha tanta fome!
Quando dei por mim estava a chegar ao “Quentinho”, inconscientemente. A luz estava ligada, lá dentro, mas o Sr. António estava encostado á parede da rua. Não percebi bem o porquê, mas sei que quando me viu, quase entrou em pânico. Boa maneira de tentar me afastar das memórias, pensei sarcasticamente para mim mesma.
- Vera? – Perguntou, atónito. Eu sorri debilmente. – Miúda, entra já antes que fiques doente!
Eu assim o fiz, entrando pela porta que ele abriu. O interior do café era como o céu. A temperatura era perfeita e fez-me sorrir, retirando um dos casacos que tinha vestido e estendendo-o por cima do aquecedor ao pé da porta. O cheiro a café e a bolos entrou-me pelas narinas e eu senti água na boca, enquanto me tentava lembrar de há quanto tempo não comia alguma coisa além de fruta selvagem. Sentia saudades daquilo… da civilização.
- Estás maluca, andar por aqui a estas horas e com este frio? – Ralhou, como costumava fazer quando era criança.
- Desculpe, Sr. António.
- E o que é que se passa contigo? Como é que ficaste nesse estado? – Perguntou, incrédulo. Eu ia sentar-me numa das mesas, mas ele logo me puxou. – Não, não. Tu vens lá para cima!
Eu fiquei confusa por um momento mas ele fez-me segui-lo por umas escadinhas dentro da cozinha. Estas iam dar para uma sala acolhedora, com moveis antigos e usados em tons de castanho. Era ali que Sr. António vivia, afinal, num apartamento por cima do café. Nunca lá tinha ido, mas agora que via era exactamente o que esperava; Um sofá confortável, com quadros e fotos da falecida mulher de António nas paredes, rendas e bibelôs. O homem já cheio de rugas e de cabelo ralo deitou-me no sofá e virou-se.
- Não! – Gritei, antes de ele ir. – Não me deixe sozinha, não o senhor também.
- Eu vou só buscar-te qualquer coisa para comer. – prometeu, baixinho. – Eu vou voltar.
Eu não queria estar sozinha. Ser abandonada outra vez. Mas eu confiava nele.
- O que se passou? – Perguntou, ao voltar com uma Bandeja com uma chávena fumegante de café e uma série de pães e bolos dispostos á volta de um prato.
Eu nem respondi, atirei-me logo á comida com gemidos de fome e olhares de agradecimento. Enquanto comia, procurei explicar o que me tinha acontecido, mas nem eu própria sabia bem descrever este ultimo ano da minha vida que acabava por se colmatar aquele momento de humilhação, tristeza e mal-estar. Quando acabei os bolos, ele foi buscar mais e eu também os devorei a esses.
- Obrigada, Sr. António. Você é um anjo. – Eu tossi violentamente. Ele pareceu preocupado.
- Tem cuidado com essa tosse, filha. – Ele fui buscar uma caixa de comprimidos a uma gaveta e entregou-mos. – Toma um desses por dia, para ver se a tosse pára. Isso não está bonito. Agora, fala comigo.
Eu contei a minha triste história no meio de lágrimas, e ele ouviu em silêncio, atentamente.
- Não sei o que fazer, Sr. António. – Desabafei, quando terminei. – Estou sozinha. Não tenho nenhuma pessoa na minha vida, ninguém mesmo. Não sei porque ainda estou aqui, neste mundo. Se Deus tivesse piedade, já me tinha mandado embora.
- Não digas isso, Vera. Nem sequer a brincar! – Ralhou ele á sua maneira simpática. Eu funguei e pedi desculpa. – E queres saber porque ainda estás cá? Porque tens um coração partido. Um coração partido é a pior coisa que pode acontecer, mas é o que mais te mantém viva.
- Dói tanto! – Queixei-me infantilmente.
- Pois dói, e é por isso que ainda te manténs viva. – Ele mexeu-se no sofá, pegando numa foto dele e da mulher que estava em cima da mesa. – Sabes que ás vezes quando estás com dores de barriga não consegues adormecer porque a dor é demasiada. É a mesma coisa. O coração não te deixa descansar em paz, mesmo depois de teres perdido tudo.
- O senhor também está sozinho. – Disse. Ele sorriu compreensivamente.
- Acabas por te habituar. Eu estou sozinho há muitos anos, desde que a Ana faleceu. Ainda estou triste, claro, mas acabei por aceitar o facto que há coisas na vida que não podemos controlar.
- O problema é que isto é tudo culpa minha! – Expliquei entre lágrimas.
- Não, não é. Não controlas o teu destino nem o que te acontece. Talvez já estivesses destinada a ficar assim, e mesmo sem saberes isto vai acabar por ser uma coisa boa. – Ele agarrou-me na mão com força. – Não podes é perder a esperança que tudo vai ficar bem.
Eu soltei mais umas lágrimas copiosamente e ele deixou-me de novo sozinha e assustada enquanto foi buscar mais algo para eu comer.
- Como é que o senhor ultrapassou as saudades da D. Ana? – Perguntei. – Sim, porque no meio desta tristeza toda continuo a ter saudades do parvo do Lourenço.
- Pobre rapaz… tu própria disseste que compreendias a parte dele, Vera! Ele teve uma fraqueza, acontece a todos. – Explicou, pacientemente.
- Só quero que a dor pare. – Pedi, com voz fraca e carregada de dor e ignorando o que ele dissera - Como é que o Senhor conseguiu?
- Bem… ás vezes tens de avançar de vez. – Explicou, ainda olhando a foto. – Simplesmente aceitar que há coisas que não voltam. Eu não te vou mentir e dizer que o Lourenço vai voltar. É claro que tens de ter fé mas… sê realista.
- E esquecer ajuda a parar a dor?
- Não é esquecer. Aceitar. – Corrigiu Sr. António.
- Mas eu não consigo aceitar. Eu escrevi-lhe uma carta, há dias. – Contei, com um sorriso fraco. – Fez-me lembrar dos tempos que passámos juntos a ensiná-lo a ler, dos nossos tempos juntos. Mas também me ajudou a desabafar. Fez-me chorar muito. Mais que hoje.
- O que dizias na carta?
- Que… que eu não sabia como me sentia por ele. Que ainda o amava, apesar de tudo, mas que muita coisa tinha mudado. E que queria que soubesse como que sinto.
- E o que fizeste com ela?
- Deixei algures na mata, nem sei. Sei que ele nunca a vai encontrar de qualquer maneira, por isso não quis saber.
- Podes não querer aceitar Vera, mas é o melhor que tens a fazer. Eu passei por uma fase em que escrevia dezenas de cartas por mês á Ana. – Sorriu tristemente. – Guardava-as todas. Até que um dia percebi que só fazia figura de parvo. Queimei tudo. Mas isso não quer dizer que não a amasse… só que não estava disposto a continuar naquele impasse.
- O senhor acha que não devia ter escrito a carta?
- Fez-te sentir melhor, não fez? – eu disse que sim. – Mas acredita que só te vais sentir pior se continuares a escrever. Vai parecer que podes alcançar o Lourenço, mas tens de aceitar que não podes. Ele foi-se, Vera. De vez.
Voltei a deixar lágrimas cair, e desta vez ele não me interrompeu. Eu deitei-me no sofá e ele trouxe uma manta com a qual me tapou. Não sei quanto tempo se passou, mas dormir naquele sofá era muito melhor do que no chão frio da casa, por isso fiquei deixei-me ficar. Não queria acordar e enfrentar a realidade.
Contudo, de manhã acordei agitada com o barulho das pessoas no café. Sentia-me um pouco melhor, alimentada e quente. Mas sabia que o meu lugar não era ali e apressei-me a sair do café, despedindo-me e agradecendo por tudo a Sr. António. Trouxe comigo alguns cobertores que ele me cedeu, uns bolos e os comprimidos para a tosse.
Comecei a pensar no que o velho homem tinha dito. Que devia avançar. O facto é que fazia sentido, mas não deixava de ser difícil. Não tinha feito outra coisa durante os dias anteriores senão tentar avançar e aceitar que Lourenço não voltaria… mas o que acontecia sempre que pensava nisso era uma dor dilacerante no peito me atacar, e eu começar com problemas de respiração. Era feio.
Algo me dizia, apesar de tudo, que eu iria conseguir suportar aquilo. Eu sempre fora uma rapariga forte. Porque deixara de o ser de um momento para o outro? Não era Lourenço que me ia mudar assim tão facilmente. E foi com este pensamento de coragem que cheguei a casa.
Tinha um sorriso nos lábios pela primeira vez em muito tempo quando pousei os cobertores no chão da sala, olhando em volta. Vi a taça de água e fui beber um golinho, mas… o que era aquilo?
Voltei a minha atenção para o canto da sala, onde estava uma pequena folha de papel. Arrepiei-me, porque da última vez que tinha encontrado folhas de papel em casa não tinha saído coisa boa, mas depois de analisar com atenção o que era é que reparei que era a carta que tinha escrito a Lou. O meu coração acalmou-se por momentos, até ser assaltada por outra dúvida: Como é que aquilo tinha ido para ali?
Eu deitara-a na mata, deixara-a protegida da chuva por uma árvore grande… não devia estar ali… não fazia sentido! Revirei a carta nas mãos, sem saber o que fazer, até que me deparei com uma caligrafia demasiado conhecida no verso da carta. Tinha apenas uma palavra e uma assinatura, não feitos por mim. A tinta ainda estava fresca:
Lamento.
L.
Eu deixei-me cair de joelhos no chão. Como?